A Carta, o "Crime" e a Feira da Povoação de Gengibre (Belém) no século 19
Foto: Feira de Belém na década de 1960. Autor desconhecido.
Jornal O Publicador.
13 de outubro de 1868.
"CORRESPONDENCIA.
Caiçára 13 outubro de 1868.
Srs. Redactores. – Callar-se o cidadão ante todas as violências, e de toda a especie, de que diariamente é victima, equivale, senão a aprova-las, a dar incentivo aos perseguidores para continua-las: ao menos o publico a conheça, e autoridades superiores, conhecendo-as acarretem com a responsabilidade de sua reproducção.
Sou caixeiro do Sr. Francisco Manoel da Costa Queiroz e achava-me na povoação do Gengibre, vendendo fazendas do meu patrão; quando soube que estava o subdelegado do districto, o capitão Antonio Bezerra, autorisado pelo o delegado o capitão João Alves Pereira Lima para prender-me: o que me obrigou a deixar precipitadamente a feira onde me achava, para por em segurança as fazendas e dinheiro do meu patrão.
Eis o motivo:
Estou justo e contractado para desposar uma filha do Sr. Francisco d’Assis Bezerra, mas ha um pai José Fernandes Bezerra, que me achando bom para genro, pretende que eu case com uma sua filha maior de 20 annos, para conseguir seus fins, depois de calumniar a mim e a sua filha, foi procurar aquelle delegado, que com sua facilidade em pisar a lei e prender a todo mundo, não duvidou em mandar prender a mim.
E’ de notar que o Sr. José Fernandes fez-se acompanhar para a villa da Independencia do Sr. capitão André Barbosa, que foi medianeiro entre si e a polícia, e que está disposto a promover-me todo o mal; querendo ajudar o Sr. Fernandes a punir em mim um supposto crime de honra; elle cujo os filhos tem sido até denunciados pela promotoria publica por attentados desta especie, e que nunca remendou o proprio panno.
Felizmente porem até esta data o Sr. Subdelegado não cumpriu a ilegal prisão expedida contra mim; e pelo contrário tem cercado meu digno patrão de respeito que lhe è devido pelas suas qualidades moraes; e este a seu torno secundado pela sua digna e Exma. senhora, e uma mana, tem empregado meios para acalmar os animos, do que lhes sou sumamente grato.
A ordem porem ainda não foi retirada, e posso em qualquer dia ser victima de mais essa violência, e quando obtenha minha liberdade, terei soffrido todos os encommodos de uma prisão no matto, que principie por uma peça de corda nos pulsos do cidadão, quando não é uma algema de ferro ou páo, uma corrente ou um tronco, e depois marchas forçadas a pés sob a ponta das facas substitutas, das bayonetas da policia do matto, etc., etc.
Tenho Senhores Redactores, narrado o facto, previnindo a Vs. Exes., ao publico e as autoridades superiores, e para que o que succeder d’ora em diante fico prevenido , e desde já lhes peço o favor de serem benignos, para inscreverem nas columnas do seu conceituado Jornal, aquillo que eu tiver necessidade de acrescentar.
Do seu constante leitor
Emygdio da Rocha Athayde."
Recorte do jornal paraibano O Publicador, em 13 de outubro de 1868. Hemeroteca Digital.
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