Proibido dançar samba e andar sem camisa pelas ruas da povoação de Belém, na Província da Parahyba do Norte

Pessoas caminhando na feira livre de Belém, década de 1960. Foto: Autor desconhecido.

Cinco mil réis. Este era o valor da multa –  aproximadamente cento e vinte e cinco reais na atualidade - para os habitantes de Belém e das demais povoações, como Serra da Raiz e Caiçara, subordinadas à antiga Vila da Independência, atual cidade de Guarabira, caso andassem sem camisa pelas ruas ou ousassem dançar samba. Era o que determinava o Código de Posturas do ano de 1883, no final do Segundo Reinado.

Sancionada pelo então presidente (governador) da Província da Parahyba do Norte, José Ayres do Nascimento, a Lei 749 (Código de Posturas), de 15 de novembro de 1883, em seu artigo 78, deixava claro aos moradores dessas localidades que o samba estava proibido por ser uma “dança estrepitosa”. Também estavam proibidos “vozerias” e “altos gritos” durante o período noturno. 

“Art. 78. E’ prohibido n’esta villa e povoações:

§ 1º Vozerias, sambas, ou outra qualquer dança estrepitosa.

§ 2° Levantar altos gritos a noite sem necessidade.”

Além do samba, o Código de Posturas apresentava, no artigo seguinte, outros impedimentos inusitados para a população, como “andar pelas ruas indecentemente vestidos”. Sobre essa proibição, a lei determinava que os habitantes deveriam trafegar pelas ruas usando calça e camisa, com um detalhe: a camisa deveria estar por dentro da calça, ou seja, ensacada, na linguagem popular.

O artigo 79, da referida lei, ainda reforçava o “igualmente proibido” para gestos obscenos a partir das residências, quando visível às pessoas que passassem pelo local, ou obscenidades em público.

“Art. 79. E’ igualmente prohibido:

§ 1º Praticar actos reputados obscenos em público.

§ 2º Estar na própria casa de modo desonesto e praticar actos offensivos ao pudor, de modo que possão ser presenciados por pessôas de outras casas ou pelos transeuntes.

§ 3° Andar pelas ruas indecentemente vestidos, sem trazer pelo menos camisa e calça, sendo aquella dentro d’esta. Cada um dos infactores dos §§ deste capítulo, soffrerá cinco mil réis de multa.”

Essas proibições, especialmente a do samba, considerada uma dança “indecente” até início do século XX (20), refletem as tentativas das elites e autoridades da época em banir, mas sem êxito, as manifestações populares com raízes africanas em um país que ainda mantinha a escravização – o Código de Postura é de 1883, cinco anos antes da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, que aboliria oficialmente a escravatura no Brasil, mas sem reparar os danos causados à população negra ao longo de mais de três séculos de escravidão!

Roda de samba num morro do Rio de Janeiro, no ano de 1936. Foto: jornal O Malho.

No que se refere a andar sem camisa, essa prática também era comum entre a população negra no Brasil e estava relacionada com algumas tradições culturais africanas. Outro fator desse costume seria, provavelmente, a condição de pobreza entre os escravizados ou ex-escravizados, os quais não tinham recursos financeiros suficientes para ter acesso a roupas ou vestimentas consideradas “adequadas” naquele período.

Por fim, o Código de Posturas foi proposto pela Câmara Municipal da Vila da Independência (Guarabira) e aprovada pela Assembleia Legislativa Provincial no final do século XIX (19). Contendo 95 artigos sobre os mais variados assuntos pertinentes à organização das localidades e do cotidiano da população, a lei foi publicada na íntegra, em primeira página, pelo jornal O Liberal Parahybano, na edição 194, em 19 de janeiro de 1884. Saiba mais em: https://belemnahistoria.blogspot.com/2023/04/o-codigo-de-posturas-da-epoca-do.html

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