O Código de Posturas da época do Império para os habitantes de Belém e povoações da Vila da Independência (Guarabira)

Residência construída pelo Sr. Manoel Paulino de Oliveira, "Manoel Sapateiro" (in memoriam), na década de 1970, em Belém. Foto cedida por Elione, filha do Sr. Manoel Sapateiro.

“Os proprietários de casas nesta Vila e nas Povoações do Município são obrigados a caiar ou colorir as casas no mês de novembro de cada ano”. É o que determinava o artigo 8º, inciso primeiro, da Lei 749, de 15 de novembro de 1883, sancionada pelo Presidente da Província da Parahyba do Norte, José Ayres do Nascimento, para a Vila da Independência, antigo nome de Guarabira, e para as Povoações do referido município, dentre as quais, as povoações de Belém, Caiçara e Serra da Raiz.

A referida lei, um Código de Posturas do município, foi proposta pela Câmara Municipal da Vila da Independência e aprovada pela Assembleia Legislativa Provincial, contendo 95 artigos sobre os mais variados assuntos pertinentes à organização das localidades e do cotidiano da população, como alinhamento das edificações; limpeza das ruas; atuação de médicos e boticários (farmacêuticos); funcionamento de matadouros, açougues e feiras; manutenção de açudes públicos e estradas; área para a agricultura e a criação de animais; jogos, brinquedos e reuniões ilícitas; uso de armas; cobrança de impostos; e até como proceder com pessoas “loucas”, embriagadas e mendicantes, além de obscenidades e ofensas morais.

O Código de Posturas, aprovado no final do século 19, foi publicado na íntegra, em primeira página, pelo jornal O Liberal Parahybano, edição 194, em 19 de janeiro de 1884, tendo os nove primeiros artigos direcionados às normas para a construção e manutenção de residências e calçadas na Vila e nas Povoações, como também proibição de comportamentos considerados inadequados pela lei. 

LEI N. 749

DE 15 DE NOVEMBRO DE 1883.

José Ayres do Nascimento, bacharel formado em Sciencias Juridicas e Sociaes pela Faculdade de direito do Recife e Presidente da Provincia da Parahyba: Faço saber a todos os habitantes que a Assembleia Legislativa Provincial da Parahyba do Norte, sob proposta da Câmara Municipal da Villa da Independência, resolveu o seguinte:

Titulo 1º

DA EDIFICAÇÃO

CAPÍTULO 1.°

 Alinhamento e regularidade da edificação.

Art. 1.° O plano de edificação desta Villa e Povoações do Município, em quanto não for tirada a planta das ruas, será o que for determinada pela Câmara.

Art. 2.° Ninguém poderá edificar casas n’esta Villa e Povoações do Município, sem que preceda licença da câmara e o alinhamento dado pelo Fiscal.”

Centro da cidade de Caiçara em 1931. Na época da aprovação da Lei 749, em 15 de novembro de 1883, a Povoação de Caiçara pertencia ao território da Vila da Independência (atual Guarabira). Foto: Facebook Prefeitura de Caiçara. 

É a partir do artigo 3º que o Código de Posturas passa a esmiuçar as regras para a construção de residências na Vila da Independência (Guarabira) e nas povoações do seu território municipal, como a Povoação de Belém, como por exemplo, a obrigatoriedade das casas e calçadas serem construídas com tijolos ou pedras, portas e janelas com tamanho padronizado, e com um detalhe interessante: as frentes das casas deveriam caiadas, coloridas ou com azulejos. Exigências que, provavelmente, não foram seguidas pela população mais pobre.

“Art. 3.° Nas casas que se edificarem se observará o seguinte:

§ 1.° Serão de tijolo ou pedra e cobertas de telhas. 

§ 2.° A altura da frente, a contar da soleira a base da cornija, será de quatro metros pelo menos.

§ 3.° As portas terão dois metros e setenta e cinco centímetros, as janelas 1 metro e setenta e cinco centímetros, umas e outras a largura de 1 metro e vinte e cinco centímetros. Se o prédio tiver maiores proporções poderá também ser aumentada a dimensão das portas e janelas.

§ 4.° Os claros terão nunca menos de cinquenta centímetros, nem mais de dois metros, em todo caso serão simétricos.

§ 5.° Terão cornijas ou platibandas, medindo estas a altura de um metro, e aquela cinquenta centímetros, que, entretanto, poderão ser aumentadas proporcionalmente se o prédio for mais alto.

§ 6.° Terão calçadas de pedra ou tijolo nas frentes e travessas, com a largura de 1 metro e cinquenta e cinco centímetros, excetua-se a parte da rua direita, entre as casas de Francisco Herculano e Pedro Epaminondas, na qual deverão ter as calçadas 1 metro e 11 centímetros. Em todo caso deverão estas conservar entre si um certo declive, de modo a não ser preciso degrau ou rampas de umas para outras.

§ 7.° As frentes serão caiadas, coloridas ou guarnecidas de azulejo.”

Caso os proprietários não seguissem as recomendações da Lei, seriam punidos com multas de até 10 mil réis, moeda da época, conforme o artigo 4º:

“Art. 4.° Nas reedificações se observarão os mesmo preceitos estabelecidos nos artigos antecedentes. Os infratores de qualquer deles sofrerão a multa de dez mil réis e serão obrigados a demolir a sua custa o edifício na parte que estiver irregular, sendo para este fim acionados perante o juízo competente se não quiser demolir amigavelmente.”

Além das orientações para a edificação de residências, os moradores da Vila da Independência e das Povoações do seu território também deveriam se atentar para a maneira de organizar os materiais de construção na frente das casas. Uma das proibições, segundo o Artigo 5°, era deixar os materiais na rua sem ter um lampião acesso nas “noites de escuro”, talvez se referindo as noites em que não eram de lua cheia.

“Art. 5.° É proibido:

§ 1.° Ter porta, janela, rotula ou postigo, que abram para as ruas, nos pavimentos térreos.

§ 2.°  Conservar andaimes nas ruas depois de concluída a obra, ou estando suspensa, ou estando suspensa esta por mais de três meses.

§ 3.° Ter materiais  nas ruas, sem conservar durante as noites de escuro um lampião aceso.

§ 4.° Conservar as frentes em preto um ano depois de concluídas as casas. O infrator sofrerá a multa de oito mil réis.”

A Lei 749, de 15 de novembro de 1883, ainda determinava que os terrenos para construção de casas deveriam ser murados e terem as calçadas feitas. Além disso, todas as casas deveriam ser enumeradas. O descumprimento de tais normas acarretaria multas de 4 mil réis aos proprietários, de acordo com os artigos 6° e 7° do Código de Postura municipal:

Art. 6.° Os foreiros de terrenos para edificação de casas são obrigados a edificar dentro de um ano, a contar da publicação da presente Postura, ou da data do aforamento, se for posterior, as frentes e calçadas pelo menos. O infrator sofrerá a multa de quatro mil réis, que será repetida todos os anos.

Art. 7.° As casas serão numeradas, conforme determinar a Câmara, sob pena de quatro mil réis de multa.

Com o título “desempachamento e limpeza das ruas”, o Capítulo 2 inicia com o Artigo 8° elencando seis incisos a serem cumpridos, obrigatoriamente, pelos moradores da Vila da Independência (Guarabira), da Povoação de Belém e demais povoações do município, com uma determinação curiosa que ainda remete à atual tradição nas semanas próximas à festa religiosa do Natal, que é a reforma ou pintura de casas:

CAPÍTULO 2.°

Desempachamento e limpeza das ruas.

 Art. 8.° Os proprietários de casas n’esta Vila e Povoações do Município, ou os inquilinos, quando aqueles morarem fora, são obrigados:

§ 1.° A caiar, colorir ou limpar as frentes e travessas das casas no mês de novembro de cada ano.

§ 2.° A conservar as calçadas sempre em perfeito estado.

§ 3.° A limpar as testadas até o meio das ruas. Esta obrigação é extensiva aos foreiros de terreno para edificação.

§ 4.° A varrer aos domingos até as oito horas do dia as frentes e travessas na distância de quatro metros. Ficam dispensados d’esta obrigação, que corre por conta da Municipalidade, os moradores do pátio da Matriz, onde se costuma fazer a feira.

§ 5.° A entupir buracos e charcos, que houverem nas frentes e quintais de suas casas.

§ 6.° A dar saída pelo seu terreno as águas estagnadas nas ruas e quintais. Os infratores serão multados em seis mil réis.

Feira de Guarabira (Vila da Independência) em frente à Matriz Catedral Nossa Senhora da Luz, citada na Lei 749/1883. Foto: Facebook Guarabira das Antigas. Data não identificada.

Já o Artigo 9°, do Código de Postura (Lei 749/1883), amplia as proibições para todos os moradores das Povoações do território da Vila da Independência. Alguns dos problemas, depois de 140 anos, ainda continuam causando transtornos nos dias atuais, como animais soltos ou entulhos nas ruas:

 Art. 9.° É proibido:

§ 1.° Lançar entulhos nas ruas.

§ 2.° Fazer escavações ou buracos.

§ 3.° Conservar materiais de qualquer natureza, a não ser em frente dos edifícios em construção, e sem prejuízo do trânsito público.

§ 4.° Ter solto n’esta Vila e Povoações do Município animais cabrum, ovelhum ou suíno.

§ 5.° Amarrar animais nas portas e janelas das ruas.

§ 6.° Andar a cavalo por cima das calçadas.

§ 7.° Ter fogareiro nas calçadas, ou qualquer outro objeto que dificulte o trânsito público.

§ 8.° Amassar cal ou barro nas calçadas.

§ 9.° Lançar água servida nas ruas.

§ 10.° Escrever ou riscar as paredes, portas e janelas das casas e muros, ou sobre elas lanças imundície. Os infratores sofrerão a multa de quatro mil réis.          

Igreja Matriz de Nosso Senhor do Bonfim, em Serra da Raiz. Foto: Facebook da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de Serra da Raiz. Data não identificada.

Finalmente, os Artigos 10 e 11, últimos da seção “Da Edificação”, tratam “dos edifícios ruinosos e insetos nocivos”, com uma determinação também curiosa para os dias atuais: os donos das casas eram obrigados a extinguir os formigueiros que aparecessem nas frentes das casas ou nos quintais. Essa exigência se estendia aos responsáveis pelos templos religiosos e edifícios públicos:

CAPÍTULO 3.°

Dos edifícios ruinosos e insetos nocivos.

Art. 10. Se o proprietário de casa ou outro qualquer edifício, que ameaçar ruína, á juízo do Fiscal e de dois peritos nomeados pela Câmara, não quiser repará-lo ou demoli-lo no prazo de oito dias depois de intimado, será multado em vinte mil réis, e a Câmara requererá em juízo competente a demolição, que será feita á custa do proprietário.

Art. 11. Os donos de casas n’esta Vila e Povoações do Município, e em sua falta os inquilinos, ficam obrigados a extinguir os formigueiros, que aparecerem nas respectivas casas, frentes e quintais, sob pena de vinte mil réis de multa. Ficam sujeitos a mesma obrigação e multa os procuradores das Igrejas e da Câmara Municipal com relação aos templos edifícios respectivos.

A partir do Artigo 12, o Código de Posturas segue com mais determinações para todos os habitantes da Vila da Independência e de suas Povoações, como Belém, Caiçara, Serra da Raiz e Mulungu, citadas nominalmente no regulamento anexado à Lei 749/1883, sobre os Fiscais das Povoações responsáveis por fazer cumprir a referida lei.

Recorte do jornal O Liberal Parahybano, 1884.

Os demais artigos do Código de Posturas, como por exemplo, o que proíbe o corte de árvores frondosas e frutíferas à margem das estradas ou ter cães bravos soltos pelas ruas, serão destacados em outras postagens.

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