A histórica visita do 1º Bispo da Paraíba, dom Adauto de Miranda Henriques, a Belém, Caiçara, Bananeiras e Serra da Raiz em 1896

Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques. Foto: Autor não identificado.

Janeiro de 1896. O primeiro bispo da Diocese da Paraíba, dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, em sua primeira visita pastoral na recém-criada diocese, a qual incluía os estados da Paraíba e do Rio Grande Norte, adentrava no território dos atuais municípios de Belém, Caiçara, Bananeiras e Serra da Raiz, sendo as primeiras vilas e povoações visitadas, oficialmente, como bispo no território paraibano.

A visita pastoral de dom Adauto, narrada em detalhes pelo jornal A União, começou pelo Rio Grande do Norte no dia 13 de novembro de 1895, após um dia de viagem do bispo e sua comitiva, por navio, a partir da cidade da Parahyba (atual João Pessoa). Iniciado na cidade de Natal, o itinerário continuou, sempre no lombo de cavalo, por Ceará Mirim, São Gonçalo do Amarante, Macaíba, São José de Mipibu, Goianinha, Canguaretama e Nova Cruz, já na divisa com a Paraíba.

Passados um mês e meio de estadia no Rio Grande do Norte, realizando celebrações e recebendo muitas homenagens nas vilas e cidades por onde passava, com exceção de Goianinha, recebido friamente pela população, segundo o narrador da viagem, Dom Adauto se dirigiu com sua comitiva de cavaleiros para a Paraíba, saindo de Nova Cruz na madrugada do dia 3 de janeiro de 1896, sendo recepcionado pela população de Caiçara:

“Em nos aproximando da esperançosa Povoação de Caiçara, fomos surpreendidos por muitos cavaleiros a nosso encontro, e os testemunhos de uma festa entusiástica foram ali evidenciados durante o breve descanso, que fizemos: instantemente aceitamos uma variada mesa que nos ofereceram.”

Ainda em Caiçara, cavaleiros da Povoação de Belém vieram ao encontro do bispo para acompanhá-lo até à povoação, onde foi igualmente acolhido com entusiasmo pelos moradores:

“Não se fez esperar o concurso de outros muitos cavaleiros da povoação de Belém, onde teríamos de submeter a novo descanso dos íngremes e acidentados caminhos que andaríamos. Por sua vez, agradavelmente recebidos pelos habitantes de Belém, ao tremeluzir primeiro do crepúsculo nos encaminhamos para o ponto intencional de nosso destino.”

Recorte do jornal A União, 1896.

O destino que o narrador se referia era a cidade de Bananeiras, local onde aconteceria alguns dos mais importantes atos solenes da primeira visita pastoral do bispo dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, filho de tradicional família luso-brasileira e dona de engenhos na cidade de Areia, no Brejo paraibano.

“Em admirável continuidade, ao numeroso séquito, que nos circundava, se agremiaram muitos cavaleiros, notando-se assim grande agrupamento em nosso ingresso na cidade [de Bananeiras] ás 6 horas da manhã de 4 [de janeiro de 1896].

Descansando por algum tempo em uma casa no princípio da rua, para ordenar-se a solene entrada na Matriz, fomos com singular alegria recebidos pelo virtuoso Vigário da Paróquia, Padre José Euphrosino de Maria Ramalho [...] Difícil e penosa foi a trajetória na sinuosa e acidentada cidade.

Penetrados na Matriz, antes do Te Deum, o Padre Fernando Lopes enriqueceu com mais um louro o seu famigerado renome de Orador sacro.”

A estadia de dom Adauto, na cidade de Bananeiras, durou de 4 a 9 de janeiro de 1896. Durante esse período, o bispo celebrou a missa solene em honra à Padroeira de Bananeiras, no dia 6 de janeiro, além de liderar a procissão. Também celebrou missa de aniversário de dois anos de sua sagração episcopal pelo Papa Leão XIII e a cerimônia de casamento do seu irmão, o capitão Zozimo Sisenando de Miranda Henriques.

“O vasto consistório da Matriz de Bananeiras estava destinado para o nosso agasalho no período de nossa demora. Corriam então em seu curso as esplendidas novenas, em homenagem a Virgem do Livramento, salientando-se muito respeito e ordem.

[...]

D. Adauto celebrou missa Pontifical na festa do Orago [Padroeira], cujo panegirico foi proferido em feliz dizer pelo ilustrado Padre Dr. Santino Coutinho, havendo á tarde imponente procissão, em que ao seu recolher orou o mesmo padre Dr.

Em o segundo aniversário da sagração Episcopal de S. Exc. Reverendíssima, no dia 7, quando a voz sensível de Pedro, escondida no sarcófago glorioso de suas cinzas ressoou por boca de Leão XIII nas vetustas ameias do Vaticano, homologando o augusto manto da plenitude do Sacerdócio, para o filho amado das plagas Parahybanas, e o delegado do Romano Pontífice difundiu sua fronte enobrecida o balsamo odorífero de Aarão, circundando-o de uma refulgentíssima epopeia de trabalhos infiados, foi celebrada solene missa comemorativa de tão feliz evento.

Pelas 9 horas da manhã do dia 8, assistiu S. Exc. Revdmª ao recebimento matrimontal de seu digno irmão, capitão Zozimo Sisenando de Miranda Henriques.”

Recorte do jornal A União, 1896.

Dom Adauto se despediu de Bananeiras ainda na manhã do dia 9 de janeiro de 1896. Fato narrado pelo autor do relato da viagem, no jornal A União, com as seguintes palavras:

“Quando o astro-rei do dia se erguia preguiçosamente das libernas brumas do Levante da manhã do dia 9 de janeiro, dado o primeiro sinal da partida de nosso Prelado [bispo], ao longo da fachada do vasto consistório notou-se a grande agremiação de pessoas que na doce ternura do sentir deixaram nelas se traduzir o predomínio de um acendrado afeto.”

Recorte do jornal A União, 1896.

Teve início, assim, a cavalgada para o próximo destino da visita pastoral de dom Adauto pela região: a vila da Serra da Raiz, então Freguesia de Nosso Senhor do Bonfim. Antes, porém, o bispo parou novamente em Belém e depois subiu à serra:

“Começando nosso itinerário, com o acompanhamento de salientes cidadãos da Freguesia de Bananeiras, em as imediações da Povoação de Belém se nos incorporaram outros até esta mesma Povoação. Nos demoramos por instante em Belém, seguindo para a Serra da Raiz, d’onde ali aguardavam nossa chegada muitos cavaleiros.”

Assim como ocorreu nas outras localidades, dom Adauto teve uma recepção calorosa dos serranos, inclusive com banda musical na entrada da Vila. Detalhe que o jornal não cita nas outras vilas e cidades visitadas pelo bispo, o qual permaneceu, na Serra da Raiz, de 9 a 13 de janeiro de 1896.

“As 9 horas da manhã paramos em uma casa no princípio da rua, onde se achavam todas as famílias da Vila, um belo desfilar de jovens e a banda musical da próxima Vila de Santo Antônio contratada para a festa.

Indumentado de capa magna, sendo ordenado o préstito que o seguia, foi cantado solene Te Deum, após o qual D. Adauto lançou sua benção Pastoral.”

Recorte do jornal A União, 1896.

Fato marcante da visita pastoral de dom Adauto à Serra da Raiz foi a nomeação do Padre Aprígio Espínola como vigário da Freguesia de Nosso Senhor do Bonfim, equivalente a paróquia, que estava vaga, coincidentemente, durante a estadia do bispo na vila. A posse do Padre Aprígio Espínola ocorreu no dia da festa do Padroeiro, em 12 de janeiro de 1896, na missa solene celebrada pelo próprio bispo:

“Sr. Bispo, dando mais uma prova de sua paternal bondade, que não lhe permite ver os reclames de seus filhos, sem um pastor que lhes dirija através das escarposidades da vida, no dia 11 provê a regência da Freguesia vaga com a nomeação do sacerdote inteligente e trabalhador, que então exercia o lugar de coadjutor da Capital, Padre Aprígio Espínola, empossado em sua atividade na missa solene da festa do Orago, ali celebrada no dia 12 de janeiro.”

Durante a breve estadia na Serra da Raiz, o bispo da Paraíba também celebrou dezenas de casamentos e foi hospedado, junto com sua comitiva, em residências de moradores influentes do lugar, os quais foram mencionados pelo autor do relato no jornal A União:

“Em o percurso de nossa estada, com lisura o digo, vimos muita docilidade aos ensinamentos divinos por parte dos habitantes daquela Freguesia: então foram celebrados 89 casamentos de pessoas notoriamente amasiadas, havendo muitas comunhões.

Não nos é dado esquecer a honrosa hospedagem que ali nos proporcionaram os ilustres cavalheiros coronel Antônio Philippe, capitão Chrispiniano Herinques e Professor Alípio Serpa.”

Da Serra da Raiz, dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques e sua comitiva partiram, a cavalo, em direção à cidade de Guarabira, onde já aguardava o padre Walfredo Leal para levá-los à estação ferroviária e tomarem destino à capital Parahyba:

“Nos mais cordiais testemunhos de gratidão, partimos para a cidade de Guarabira, vindo nos esperar em distância de 1 légua o Revdm. Padre Walfredo Leal com muitos cavaleiros.

Sobre modo penhorados pela lhaneza do tratamento em Guarabira com um numeroso cortejo de respeitáveis cidadãos, partimos para a estrada de ferro a tomar o horário para esta Capital.”

Foto da antiga Estação Ferroviária de Guarabira. Sem data. Acervo Jonatas Rodrigues. Fonte: Site Estações Ferroviárias do Brasil.

O relato da primeira visita pastoral de dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, 1º Bispo da Diocese da Paraíba, descrito no jornal paraibano A União, no final do século 19, destaca, por fim, a duração da visita e as conquistas da atividade religiosa empreendida pelo bispo, concluindo o longo relato da viagem com a sigla A.M.D.G, do latim “Ad maiorem Dei gloriam”, que traduzida para o português corresponde “para maior glória de Deus”, lema da Companhia de Jesus, ordem católica cujos membros são conhecidos como Jesuítas.

“Dois meses de trabalhos os mais penosos e das conquistas as mais venturosas para a glória de Deus, o bem espiritual dos Diocesanos da Parahyba e o louro mais vicejante a coroar a primeira visita Pastoral de S. Exc. Reverendíssima, o Sr. D. Adaucto, estavam empenhados naquele dia.

Deus abençoe na abundância de sua misericórdia com os frutos salvíficos de seu Poder o Episcopado do Ínclito Prelado da Diocese Parahybense!

A.M.D.G.”

Recorte do jornal A União, 1896.

Comentários

Júnior Miranda disse…
COMENTÁRIOS RECUPERADOS DO BLOG ANTIGO:

Anônimo 29 janeiro, 2023 15:14

Mais um importante relato histórico do historiador/pesquisador Júnior Miranda. As informações são relevantes para além da sua terra, Belém, abrangendo cidades vizinhas como a minha Caiçara. Acrescento que o secretário de Dom Adauto durante muitos anos foi o Cônego Francisco Lima ("Padre Lima"), de Caiçara, é de autoria dele, dentre outras, a clássica obra "Dom Adauto Subsídios Biográficos", considerado um dos mais importantes registros sobre a história da Igreja Católica na Paraíba. Padre Lima foi orador e presidente do IHGP, membro da Academia Paraibana de Letras, professor pioneiro da UFPB, dentre outros feitos.

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