Da Gameleira aos Pagãos: as primeiras ruas de Belém e os significados históricos e sociais
"Belém era uma coisinha assim, só tinha mato, só tinha a Rua da Igreja até chegar em Paulo Guedes; e a Rua da Empresa, que tinha um motor de algodão. Aquela Rua da Empresa tinha umas quatro casas. Tinha também a Rua do Sossego. A Rua onde tem a Assembleia [de Deus] era a Rua do Sossego; tinha a capelinha de Santo Antônio, era de Antônio Cândido [a capelinha ficava ao lado da atual Praça Santo Antônio]. Onde é hoje a Rua Boa Vista, ali tinha duas ou três casinhas, casa de palha. Aqui [final da Rua Joaquim Rodrigues] era mato, tinha uma casa e outra acolá, de palha, do pai de Neca Venâncio, uma casona grande de palha, mas tudo era barreiro e marmeleiro. Pela Virgílio Cruz era mato, casinhas de palha, cheio de pé de marmeleiro, era tudo trancado e muito barreiro. Ali onde é Silva hoje [Bar do Silva], não tinha aquelas casas, era um corredor. Ali passava o gado do meu pai para ir onde mora João Pedro hoje [Fazenda Grotão]. Ali tinha um tanque de Joca Paulino, onde hoje é casa de José Pacífico, e sustentava Belém de água, um tanque grande." (Maria Flor de Jesus, “Maria de Tinô”, aposentada, 90 anos de idade na entrevista concedida em 2008).
As primeiras ruas de Belém foram abertas, portanto, no
entorno da Igreja Nossa Senhora da Conceição e, ao se cruzarem, formavam a
configuração de uma cruz. Receberam os nomes de Rua do Comércio [início da
atual Flávio Ribeiro], e, na parte final, de Rua do Paraguai; Rua do Sossego
[atual Vicente Cadó], também chamada de Rua Santo Antônio; Rua da Empresa
[atual Deocleciano Guedes]; e a Rua da Gameleira (início da atual Joaquim
Rodrigues].
Esses nomes eram fundamentados pelas características de cada uma das vias, conforme relato de Dona Bernadete, que cita outros antigos nomes de ruas do povoado em crescimento:
"Quando eu cheguei a Belém naquela época, eu tinha sete
anos, eu morava em Caiçara, meu pai era administrador da fazenda de Severino
Ismael, lá em Serrinha [comunidade rural do município de Caiçara]. Belém era
uma vilazinha pequenininha, tinha essa rua aqui [início da Rua Flávio Ribeiro]
que se chamava Rua do Comércio. E ali perto do cemitério, onde é a casa de
Galego do Queijo, aquele pedaço de rua era um cemitério, e pra lá era Rua do
Paraguai. Que era a continuação dessa rua [Flávio Ribeiro]. E tinha essa Rua
Joaquim Rodrigues, que era a Rua da Gameleira. Tinha uma ruazinha que é a de
compadre Benedito, a Rua da Palha, onde é a [Rua] Luiz Gomes; e a Rua da Boa
Vista, também chamada Rua da Palha, porque só tinha casinhas de palha. E essa
Rua Deocleciano Guedes era a Rua da Empresa, porque ali tinha o motorzinho da
luz. A Rua Vicente Cadó era a Rua Santo Antônio [e depois Rua do Sossego]. Essa
rua que desce aí, a rua que tinha um cabaré, a Rua D‟Ávila Lins, era uma rua
famosa [por causa da existência um cabaré]. E tinha outra rua com cabaré na
Feliciano Pedrosa. Chamavam Rua dos Anjos." (Bernadete Costa Santos,
aposentada, 68 anos de idade na entrevista concedida em 2008).
É interessante notar que, posteriormente, nas alterações dos nomes das ruas, prevaleceram nomes de figuras ou moradores com influência política e econômica na localidade, em detrimento das características físicas e históricas da origem do povoado:
Rua do Comércio, onde acontecia a feira quando o povoado ainda se chamava Gengibre, no século 19, foi alterada para Rua Flávio Ribeiro, em referência ao ex-governador da Paraíba, o qual assinou a lei de emancipação do município de Belém em 1957;
Rua do Sossego, chamada na parte final de Rua Santo Antônio,
passou a ser Rua Vicente Cadó, em homenagem a este antigo comerciante de Belém;
Rua do Rio (em direção ao riacho da Picada), depois chamada
de Rua da Empresa, nome em alusão à “empresa” de descaroçamento de algodão e,
posteriormente, de geração de energia elétrica a óleo, do então distrito de
Belém de Caiçara, modificada para Rua Deocleciano Guedes, influente comerciante
pertencente ao clã político dos Guedes;
Rua da Gameleira, em referência à árvore onde os tropeiros descansavam com suas mulas ao passarem pelo povoado, recebeu o nome de Joaquim Rodrigues, outro comerciante e proprietário de terras no então distrito de Belém.
Essas alterações revelam uma das características das elites locais em perpetuarem, simbolicamente, o status quo de seus ramos familiares através da denominação de logradouros e prédios públicos como escolas, hospitais, bibliotecas, etc.
No livro “A cidade de Belém. Um relato histórico”, publicado pela belenense Ivonete Lucena Barbosa, em 2009, são destacadas outras curiosidades relacionadas aos nomes de antigas ruas de Belém. Dentre elas, a Rua dos Pagãos, que ficava por trás da Igreja N. Sra. da Conceição (início da atual Rua Antônio D'Ávila Lins), assim denominada devido às “Casas de Irene”. Uma alusão à canção popular sobre os cabarés, local “onde a rapaziada da época ia divertir-se nos braços das damas da noite”, como descreve a referida autora:
"A Rua dos Pagãos: era assim chamada por se constituir das Casas de Irene de então, onde a rapaziada da época ia divertir-se nos braços das damas da noite. [...] O Curimatauzeiro sendo homem livre, como vaqueiro, trabalhava em cima de seu cavalo tangendo, alegre no aboio contemplativo, ao saudar sua boiada caminhante. Pacatos, frequentavam uma ruela de acesso ao Curimataú, por isso, o nome: Rua do Sossego. Rua do Paraguai, os brejeiros sendo escravos dos donos de Engenho, que os reprimiam, eram estressados. Iam para a feira já revoltados; assim, sempre se envolviam em brigas, onde constantemente surgiam discussões e mortes. Daí, essa rua receber tal nome, pois era frequentada por estes personagens, lembrando a Guerra do Paraguai (BARBOSA, 2009, p. 169-170)."
Na citação acima, as adjetivações nos remetem aos estereótipos construídos sobre determinados grupos de pessoas, como as prostitutas, os vaqueiros do Curimataú e os escravos dos engenhos do Brejo paraibano, os quais foram classificados, respectivamente, como “pagãos”, “pacatos” e “estressados”. Apesar da redação romantizada e, talvez, não intencionalmente depreciativa, os adjetivos utilizados reforçam, indiretamente, a imagem deturpada e generalizada em relação a alguns desses grupos marcados pela exclusão social.
Texto adaptado do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),
de História, intitulado: Da colonização portuguesa à Gengibre: construção
histórica do município de Belém, estado da Paraíba.
Comentários
Anônimo 06 maio, 2022 16:52
A história de Belém é muito interessante, eu gostei . Através da história lida tive grande conhecimento de coisas que eu não conhecia .Ainda na minha época conheci as ruas do Cancel as Casas eram cobertas de palhas de cana estruturas de madeiras tapeda com com barro
Anônimo 06 maio, 2022 19:16
Linda demais a sua narração é muito emocionante Rever a terra onde eu nasci RUA DA BOA VISTA NÚMERO 10 no ano de 1955
Anônimo 17 maio, 2022 17:54
Minha mãe fala que buscava água em tanques das pedreiras, fossas naturais que se formaram nas pedreiras. Ela fala que ia pegar água em uma região que eu suponho seja o ata sitio Lagoa de Serra.