Recenseamento de 1872 e a escravidão na Serra da Copaoba (Belém, Caiçara e Serra da Raiz)

Marc Ferrez/Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles. Partida para colheita de café /  Vale do Paraíba, Rio de Janeiro, c. 1885. 

Em 1872, durante o reinado de Dom Pedro II, foi realizado o primeiro recenseamento da população no território brasileiro, incluindo a população escravizada. Um marco para os estudos demográficos no país que, poucos anos depois, aboliria a escravidão, oficialmente, através da chamada Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888.

É preciso destacar, entretanto, que a abolição da escravidão no Brasil aconteceu por diversos fatores, como o crescente movimento abolicionista e a pressão da Inglaterra, a qual tinha o objetivo de aumentar o lucro na comercialização do açúcar produzido em suas colônias que não mais utilizavam do trabalho escravo, enquanto o açúcar produzido no Brasil era mais barato devido à utilização da mão de obra escrava.

Outro fator, segundo o historiador Luiz Felipe de Alencastro, é que a elite brasileira “aceitou” o fim da escravidão para que não ocorresse a reforma agrária no país, com a distribuição de terras para os escravizados. O que faz sentido, pois, apesar da abolição oficial da escravidão, os ex-escravos continuaram dependentes dos trabalhos nas propriedades rurais dos antigos senhores ou foram entregues à própria sorte nas cidades, com habitações e trabalhos precários.

Ex-escravos que trabalhavam como vendedores ambulantes em Porto Alegre, no final do século 19. Acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo.

Na Província da Parahyba do Norte, em 1872, o território que atualmente abrange os municípios de Belém, Serra da Raiz, Caiçara, Logradouro, Lagoa de Dentro, Duas Estradas e parte de Sertãozinho também foi recenseado. Esse território integrava a Freguesia ou Parochia do Senhor do Bonfim - uma divisão de caráter religioso, político e administrativo -, com sede na Serra da Raiz.

Igreja do Senhor do Bonfim, Serra da Raiz, 2008. Foto: Júnior Miranda.

Nessa área territorial, historicamente conhecida como Serra da Copaoba, o Recenseamento do ano de 1872 contou 8.991 almas - assim eram classificados os habitantes -, dentre as quais, 371 escravos, ou 4,3% da população residente na Freguesia do Senhor do Bonfim.

O percentual de pessoas escravizadas na Freguesia do Senhor do Bonfim (4,3%) superava aos percentuais das Freguesias de N. Sra. do Livramento de Bananeiras (3,1%) e de N. Sra. da Conceição de Araruna (2,45%), ficando um pouco inferior em relação à população escravizada da Freguesia de Nossa Sra. da Luz da Independência (Guarabira), que chegava a 5% de sua população, e das freguesias de Nossa Sra. da Boa Viagem de Alagoa Grande e de Nossa Sra. da Conceição de Areia, ambas com 5,6% e forte presença de engenhos de cana de açúcar, os quais utilizavam a mão de obra escrava.

Importante destacar que, no território da Freguesia do Senhor do Bonfim, também existiam vários pequenos engenhos no período do recenseamento, o que pode explicar o percentual considerável de escravizados, como citado acima, inferior apenas a Areia, Alagoa Grande e Guarabira, mesmo na fase final do período escravocrata no Brasil.

Sexo, raça e estado civil.

Das 371 pessoas escravizadas na Freguesia do Senhor do Bonfim, 69,8% eram homens e 30,2% eram mulheres. Desse mesmo total, 57,7% eram considerados pardos ou pardas e 42,3% de pretos ou pretas. Ainda havia essa “distinção racial” entre os escravos.

Sobre o estado civil da população escravizada na referida freguesia, 83% eram solteiros, dos quais, 71,4% homens e 28,6% mulheres. Os casados chegavam a 12,7%, sendo 55,3% de homens e 44,7% de mulheres. E os viúvos, 4,3% da população escravizada, sendo a grande maioria, curiosamente, de homens (81,25%), enquanto as mulheres atingiam 18,75% entre os viúvos.

Faixa etária

Clique no gráfico para ampliar.

De acordo com o Recenseamento de 1872, a população escravizada da Freguesia do Senhor do Bonfim era predominante de jovens e adultos homens, com destaque para a faixa etária de 16 a 20 anos. Os jovens escravizados eram fundamentais para a maior produtividade no trabalho extenuante nas terras dos seus senhores.

Outra leitura que pode ser feita, a partir do gráfico acima (clique na imagem para ampliar), diz respeito à baixa expectativa de vida e longevidade dos escravizados, com uma drástica diminuição do número absoluto de pessoas com idade a partir dos 71 anos, tanto para os homens como para as mulheres, consequência da exploração da mão de obra, provavelmente. Vale destacar, ainda, que a Lei do Sexagenário, libertando os escravizados com 60 anos ou mais, só seria promulgada em 1885.

Casal de ex-escravos de mãos dadas em frente ao seu barraco, em Porto Alegre, em 1900. Foto do Acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo.

Nota-se, porém, uma quantidade significativa de crianças escravizadas entre 1 a 10 anos de idade, num total de 120 crianças. Lembrando que a Lei do Ventre Livre, de 1871, determinando que os filhos das mulheres escravizadas, nascidos a partir daquela data, estariam livres, foi promulgada apenas um ano antes do recenseamento, não tendo, certamente, muito efeito na prática.

Profissão.

Marc Ferrez/Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles. Escravos na colheita do café / Rio de Janeiro, RJ, c. 1882.

Com relação à profissão dos escravos na Freguesia do Senhor do Bonfim da Serra Raiz, o recenseamento de 1872 coloca os seguintes números absolutos:

Homens:

  • Lavradores – 104 pessoas
  • Criados e jornaleiros – 73 pessoas
  • Serviço doméstico – 11 pessoas
  • Sem profissão – 71 pessoas

Mulheres:

  • Lavradoras – 30 pessoas
  • Criadas e jornaleiras – 11 pessoas
  • Serviço doméstico – 55 pessoas
  • Sem profissão – 16 pessoas

Em uma rápida análise sobre os dados relacionados à profissão, podemos observar que, apesar de ser a minoria da população escravizada (30%), a maioria das mulheres escravizadas ocupava a função de serviço doméstico, refletindo, sem desmerecer a profissão e as pessoas, sobre a realidade nos dias atuais.

Instrução, religião e nacionalidade.

Outro dado relevante é que todos os escravizados, homens ou mulheres, eram analfabetos e professavam a religião católica, pelo menos oficialmente, no caso da religião. Ainda de acordo com o recenseamento, essas características (analfabetos e católicos) também se aplicavam a quase totalidade da população livre da freguesia do Senhor do Bonfim.

Importante ressaltar, ainda, sobre a nacionalidade dos escravizados. Das 371 pessoas escravizadas, apenas 4 (quatro) tinham nacionalidade estrangeira de origem africana, sendo 3 (três) homens solteiros e 1 (uma) mulher casada, revelando, portanto, que a grande maioria dos escravizados tinham nascido no Brasil, logicamente com descendência africana. Talvez um reflexo da Lei Eusébio de Queirós, de 1850, que proibiu o tráfico (comércio) de africanos escravizados para o país.

Por fim, destaco outra informação, a partir do Recenseamento de 1872, que pode mostrar os efeitos do movimento abolicionista no Brasil, com consequências na Freguesia do Senhor do Bonfim e região.  Trata-se do número de “pretos livres” na referida freguesia, o qual chegava, em números absolutos, a 302 pessoas. Lembrando que o total de “pretos e pardos escravizados” era de 371 pessoas.

Para além da análise fria dos números, o Recenseamento de 1872 revela dor, sofrimento e humilhação de seres humanos escravizados no Brasil durante 350 anos. Nação que tem a vergonhosa referência de ter sido, em todo o continente americano, o último país a abolir a escravidão, mas que ainda persiste entranhado em sua sociedade o nefasto “espírito” escravocrata, com o racismo e suas consequências na vida da população negra brasileira. 

Fonte consultada: "Recenseamento do Brazil em 1872". Disponível na Biblioteca do IBGE.

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