O projeto da primeira ferrovia ligando a capital da Paraíba, Mamanguape e Belém (Gengibre) em 1873
Embora o projeto tenha sido rejeitado, o grupo empresarial pernambucano, liderado por José Alves Barbosa Júnior, persistiu na empreitada pela busca de uma nova autorização para a construção da ferrovia, sendo concedida em 1881, oito anos depois do projeto original, pelo então Ministério de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Império, “entre a cidade de Mamanguape, na Provincia da Parahyba, e a villa de Acary, na do Rio Grande do Norte”, com previsão para passar pela povoação de Gengibre.
De acordo com o Decreto nº 7.992, de 5 de fevereiro de 1881, “com a rubrica de Sua Magestade o Imperador”, a principal mudança do novo trajeto pode ser verificada nos pontos de partida e chegada da estrada de ferro. No projeto autorizado pelo referido Ministério, por abranger mais de uma província, a ferrovia começaria na cidade de Mamanguape, e não pela Capital, e ultrapassaria a povoação de Gengibre, adentrando na Província do Rio Grande do Norte.
“Attendendo ao que Me requereram José Alves Barboza Junior,
Antonio Borges da Silveira Lobo e Alfredo Cardozo Pereira, Hei por bem
Conceder-lhes privilegio por cincoenta anos para a construcção, uso e gozo de
uma estrada de ferro entre a cidade de Mamanguape, na Provincia da Parahyba, e
a villa de Acary, na do Rio Grande do Norte, sob as clausulas que com este
baixam assignadas por Manoel Buarque de Macedo, do Meu Conselho, Ministro e
Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas,
que assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em 5 de
Fevereiro de 1881, 60º da Independencia e do Imperio. Com a rubrica de Sua
Magestade o Imperador. [...] Clausulas a que se refere o Decreto n. 7992 desta
data I E' concedido á companhia que organizarem José Alves Barboza Junior,
Antonio Borges da Silveira Lobo e Alfredo Cardozo Pereira privilegio por 50
annos para construcção, uso e gozo de uma estrada de ferro entre a cidade de
Mamanguape, na Provincia da Parahyba, e a villa de Acary, na do Rio Grande do
Norte, passando por S. João, Araçagy, Gengibre, Serra da Raiz, Caissára,
Riachão e Cuité ou nas imediações destas localidades” (grafia da época).
A Revista de Engenharia, do Rio
de Janeiro, publicou em sua edição 12, de 15 de dezembro de 1881, a notícia de um
novo decreto que prorrogava até 90 anos a concessão da ferrovia para o grupo de
empresários pernambucanos que iria construi-la, e outro decreto que fixava o prazo
de um ano para que o mesmo grupo organizasse a companhia e iniciasse a obra:
“Por decreto n. 8.239 foi
prorogado por até 90 annos o prazo deste privilegio, e por decreto n. 8.291 de
29 de outubro, foi prorogado por um anno o prazo marcado para a organisação da
companhia que tem de construir esta estrada.” (grafia da época)
Em 1883, a Revista de Engenharia voltou a destacar um novo
decreto prorrogando por mais um ano o prazo para os empresários pernambucanos organizarem
a companhia e iniciarem a obra da ferrovia, indicando falta de garantia dos recursos ou resistência
política ao projeto, como veremos mais adiante. O novo decreto ainda ameaçava com a
perda da concessão, como destacou a nota da revista abaixo:
O Jornal do Commercio, também do Rio de Janeiro, na edição
146, de 27 de maio de 1882, chegou a informar o valor para a construção da
ferrovia entre Mamanguape e a Vila de Acary, ao publicar expediente da
Câmara dos Deputados sobre o envio de um pedido à Comissão de Comércio, Indústria e Artes, com
o seguinte teor:
“A’ Commissão de commercio, indústria e artes. [...] Outro
de Antonio Borges da Silveira Lobo e outros pedindo garantia de juros de 6% ao
anno sobre o capital de 12.600:000$, para a construcção da estrada de ferro, de que são concessionários,
entre a cidade de Mamanguape na província da Parahyba e a villa de Acary no Rio
Grande do Norte – A’ mesma commissão.”
Ainda de acordo com o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro,
em sua edição 246, de 3 de setembro de 1884, portanto, dois anos após os empresários
pernambucanos pedirem garantia de juros à Comissão da Câmara dos Deputados para o investimento que seria realizado na construção da ferrovia, a prorrogação do prazo para o início das
atividades já teria sido decretada, porém, sem garantia de juros, o que na prática inviabilizaria a obra:
“Ferrovia de Mamanguape a Acary – Consta-nos ter sido decretada, a requerimento de José Alves Barbosa Junior, Antonio Borges Silveira Lobo e Alfredo Cardoso Pereira, a prorogação por mais um anno do prazo que lhes foi marcado pela cláusula 2ª das annexas ao decreto n. 7.992 de 5 de Fevereiro de 1881, para organisação da companhia que, sem garantia de juro, tem de levar a effeito a cosntrucção de uma ferrovia entre Mamanguape e a villa de Acary, na província da Parahyba.”
O principal entrave para a construção da ferrovia entre a
cidade de Mamanguape e a vila de Acary, passando pela povoação de Gengibre (Belém), era a resistência
de políticos da província do Rio Grande do Norte, os quais alegavam prejuízos para
a economia da referida província, já que o escoamento da produção da região do
Seridó potiguar iria para o porto fluvial de Salema, em Mamanguape, na Paraíba,
e não para o porto de Natal, capital do Rio Grande do Norte.
O jornal Diário de Pernambuco, edição 21, datado de 26 de outubro de
1882, publicou artigo do correspondente do jornal no Rio Grande do Norte advertindo
os representantes da província sobre as consequências negativas para a economia
potiguar, que poderia “definhar” se dois projetos de ferrovias fossem executados,
dentre os quais, a estrada de ferro entre Mamanguape e Acary:
“Se se quizer o verdadeiro engrandecimento
da província, os seus representantes quer geraes, quer provinciaes, não poderão
deixar de tomar sincero interesse por essa via ferrea, attendendo que, se se realisar
a via-ferrea projectada da cidade de Mamanguape
da provincia da Parahyba a villa de Acary d’esta provincia, todo o
commercio das comarcas de Seridó e Jardim e outros municípios d’esta provincia,
terão como sahida aquelle porto; [...] e esta província se definhará pela força
das circumstancias, e as suas rendas cada vez mais decrezcerão; é, para esse conjuncto
de causas, que chamamos a attenção dos seus representantes” (grafia da época).
No mês anterior à publicação do jornal acima, ocorreu uma acalorada discussão na Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro, Capital do Império do Brasil à época, entre deputados gerais das províncias da Parahyba do Norte e do Rio Grande do Norte, para a aprovação da garantia de juros ao empréstimo solicitado pelo grupo empresarial que aguardava o parecer da Comissão de Comércio, Indústria e Artes afim de iniciar a construção da ferrovia, que continuava parada.
Tomando a palavra, o deputado paraibano Manoel Carlos de Gouveia, do Partido Conservador, defendia a inclusão de uma emenda para garantir os recursos para a construção da estrada de ferro, sendo interrompido pelo deputado potiguar Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti, também do Partido Conservador, o qual alegava que a emenda não cabia no projeto apresentado e, principalmente, porque prejudicaria a sua província de origem.
Pela importância histórica, publicamos, abaixo, a sequência do longo debate entre os deputados Manoel Carlos e Bezerra Cavalcanti sobre o requerimento direcionado
à Comissão de Comércio, Indústria e Artes garantindo recursos para a construção
da ferrovia com o trajeto Mamanguape-Gengibre-Acary, retirado do documento “Annaes
do Parlamento Brasileiro”, Sessão Legislativa de 1 de setembro de 1882:
O
debate sobre a emenda continuou na sessão do dia 4 de setembro de 1882 com o deputado
potiguar Tarquínio Braúlio de Souza Amaranto (Partido Conservador/RN), o qual argumentou
que “essa estrada prejudicará sensivelmente a minha provincia, desviando os
productos de uma boa parte della do curso natural, que devem ter para a sua
capital, afim de leva-los a provincia estranha...”.
A
sessão voltou a ficar acirrada quando o mesmo deputado geral (como eram chamados
os deputados federais) fez um comentário crítico à cidade de Mamanguape, sendo
interrompido pelo deputado paraibano Anísio Salatiel Carneiro da Cunha (Partido
Conservador/PB), e, em seguida, pelos deputados Amaro Carneiro Bezerra
Cavalcanti (Partido Conservador/RN) e Manoel Carlos de Gouveia (Partido
Conservador/PB), como podemos observar no trecho abaixo:
Encerradas
as discussões, a emenda apresentada pelo deputado paraibano Manoel Carlos foi
derrotada pelo plenário da Câmara, através do requerimento do deputado potiguar
Bezerra Cavalcanti, o qual pedia a retirada da emenda. Com isso, o pedido de
garantia de juros para a construção da estrada de ferro entre Mamanguape e
Acary voltou para a Comissão de Comércio, Indústria e Artes, sendo reprovado na
referida comissão, conforme noticiado pelo Jornal do Commercio do Rio de
Janeiro, em 3 de setembro de 1884, citado anteriormente.
Na Paraíba, por exemplo, são notórios os casos das cidades de Mamanguape e Areia, localizadas respectivamente no litoral e no brejo. Consideradas as duas maiores cidades do interior, a primeira até a década de 1880, a segunda até o começo do século XX, chegando ao ponto de rivalizarem com a própria capital, ambas perdem seu antigo “fulgor comercial” por não suportarem a concorrência da estrada de ferro. A chegada de trilhos na vila de Independência (hoje Guarabira) em 1884 e em Alagoa Grande em 1901, é considerada fatal para as duas localidades, gerando sua imediata decadência. O caso de Mamanguape é digno de nota. Até 1884, ela é uma cidade de intenso movimento comercial, servindo de intermediária entre o brejo paraibano e as capitais de Paraíba e Pernambuco, com destaque para essa última, tendo como ponto forte a navegação de cabotagem, realizada através de porto de Salema, com saída por rio navegável para o mar (ARANHA, 2001, p. 204).
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