O projeto da primeira ferrovia ligando a capital da Paraíba, Mamanguape e Belém (Gengibre) em 1873

Vista aérea da cidade de Belém (Paraíba), com o distrito de Rua Nova ao fundo (2017).

“PARAHYBA [...] – Fôra reprovado pela assembléia o contracto feito pelo anterior presidente com o Sr. José Alves Barbosa Junior, para a construcção de uma estrada de ferro de Mamanguape á Gengibre” (grafia da época). Com essa nota, o jornal pernambucano “A Província”, datado de 28 de outubro de 1873, noticiou a rejeição, pelos deputados provinciais da Paraíba, da 19ª legislatura, do primeiro projeto para a construção de uma ferrovia entre a cidade da Parahyba (atual João Pessoa) à Povoação de Gengibre (atual Belém), passando pela cidade de Mamanguape (Sobre o primeiro projeto, confira aqui).

Recorte do jornal pernambucano A Província, 1873.

Embora o projeto tenha sido rejeitado, o grupo empresarial pernambucano, liderado por José Alves Barbosa Júnior, persistiu na empreitada pela busca de uma nova autorização para a construção da ferrovia, sendo concedida em 1881, oito anos depois do projeto original, pelo então Ministério de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Império, “entre a cidade de Mamanguape, na Provincia da Parahyba, e a villa de Acary, na do Rio Grande do Norte”, com previsão para passar pela povoação de Gengibre.

De acordo com o Decreto nº 7.992, de 5 de fevereiro de 1881, “com a rubrica de Sua Magestade o Imperador”, a principal mudança do novo trajeto pode ser verificada nos pontos de partida e chegada da estrada de ferro. No projeto autorizado pelo referido Ministério, por abranger mais de uma província, a ferrovia começaria na cidade de Mamanguape, e não pela Capital, e ultrapassaria a povoação de Gengibre, adentrando na Província do Rio Grande do Norte.

“Attendendo ao que Me requereram José Alves Barboza Junior, Antonio Borges da Silveira Lobo e Alfredo Cardozo Pereira, Hei por bem Conceder-lhes privilegio por cincoenta anos para a construcção, uso e gozo de uma estrada de ferro entre a cidade de Mamanguape, na Provincia da Parahyba, e a villa de Acary, na do Rio Grande do Norte, sob as clausulas que com este baixam assignadas por Manoel Buarque de Macedo, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, que assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em 5 de Fevereiro de 1881, 60º da Independencia e do Imperio. Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador. [...] Clausulas a que se refere o Decreto n. 7992 desta data I E' concedido á companhia que organizarem José Alves Barboza Junior, Antonio Borges da Silveira Lobo e Alfredo Cardozo Pereira privilegio por 50 annos para construcção, uso e gozo de uma estrada de ferro entre a cidade de Mamanguape, na Provincia da Parahyba, e a villa de Acary, na do Rio Grande do Norte, passando por S. João, Araçagy, Gengibre, Serra da Raiz, Caissára, Riachão e Cuité ou nas imediações destas localidades” (grafia da época).

Residência onde o Imperador Dom Pedro II se hospedou na cidade de Mamanguape/PB, em 1859. Atualmente funciona o Paço Municipal (edifício sede do governo municipal). Foto: Assessoria de Comunicação Cia Boca de Cena, no site da ABTB.

A Revista de Engenharia, do Rio de Janeiro, publicou em sua edição 12, de 15 de dezembro de 1881, a notícia de um novo decreto que prorrogava até 90 anos a concessão da ferrovia para o grupo de empresários pernambucanos que iria construi-la, e outro decreto que fixava o prazo de um ano para que o mesmo grupo organizasse a companhia e iniciasse a obra:

“Por decreto n. 8.239 foi prorogado por até 90 annos o prazo deste privilegio, e por decreto n. 8.291 de 29 de outubro, foi prorogado por um anno o prazo marcado para a organisação da companhia que tem de construir esta estrada.” (grafia da época)

Recorte da Revista de Engenharia, do Rio de Janeiro (1881).

Em 1883, a Revista de Engenharia voltou a destacar um novo decreto prorrogando por mais um ano o prazo para os empresários pernambucanos organizarem a companhia e iniciarem a obra da ferrovia, indicando falta de garantia dos recursos ou resistência política ao projeto, como veremos mais adiante. O novo decreto ainda ameaçava com a perda da concessão, como destacou a nota da revista abaixo:

Recorte da Revista de Engenharia, do Rio de Janeiro. Edição 1, de 1883.

O Jornal do Commercio, também do Rio de Janeiro, na edição 146, de 27 de maio de 1882, chegou a informar o valor para a construção da ferrovia entre Mamanguape e a Vila de Acary, ao publicar expediente da Câmara dos Deputados sobre o envio de um pedido à Comissão de Comércio, Indústria e Artes, com o seguinte teor:

“A’ Commissão de commercio, indústria e artes. [...] Outro de Antonio Borges da Silveira Lobo e outros pedindo garantia de juros de 6% ao anno sobre o capital de 12.600:000$, para a construcção da estrada de ferro, de que são concessionários, entre a cidade de Mamanguape na província da Parahyba e a villa de Acary no Rio Grande do Norte – A’ mesma commissão.” 

Recorte do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro (1882).

Ainda de acordo com o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, em sua edição 246, de 3 de setembro de 1884, portanto, dois anos após os empresários pernambucanos pedirem garantia de juros à Comissão da Câmara dos Deputados para o investimento que seria realizado na construção da ferrovia, a prorrogação do prazo para o início das atividades já teria sido decretada, porém, sem garantia de juros, o que na prática inviabilizaria a obra:

“Ferrovia de Mamanguape a Acary – Consta-nos ter sido decretada, a requerimento de José Alves Barbosa Junior, Antonio Borges Silveira Lobo e Alfredo Cardoso Pereira, a prorogação por mais um anno do prazo que lhes foi marcado pela cláusula 2ª das annexas ao decreto n. 7.992 de 5 de Fevereiro de 1881, para organisação da companhia que, sem garantia de juro, tem de levar a effeito a cosntrucção de uma ferrovia entre Mamanguape e a villa de Acary, na província da Parahyba.

Recorte do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro (1884).

O principal entrave para a construção da ferrovia entre a cidade de Mamanguape e a vila de Acary, passando pela povoação de Gengibre (Belém), era a resistência de políticos da província do Rio Grande do Norte, os quais alegavam prejuízos para a economia da referida província, já que o escoamento da produção da região do Seridó potiguar iria para o porto fluvial de Salema, em Mamanguape, na Paraíba, e não para o porto de Natal, capital do Rio Grande do Norte.

O jornal Diário de Pernambuco, edição 21, datado de 26 de outubro de 1882, publicou artigo do correspondente do jornal no Rio Grande do Norte advertindo os representantes da província sobre as consequências negativas para a economia potiguar, que poderia “definhar” se dois projetos de ferrovias fossem executados, dentre os quais, a estrada de ferro entre Mamanguape e Acary:

“Se se quizer o verdadeiro engrandecimento da província, os seus representantes quer geraes, quer provinciaes, não poderão deixar de tomar sincero interesse por essa via ferrea, attendendo que, se se realisar a via-ferrea projectada da cidade de Mamanguape  da provincia da Parahyba a villa de Acary d’esta provincia, todo o commercio das comarcas de Seridó e Jardim e outros municípios d’esta provincia, terão como sahida aquelle porto; [...] e esta província se definhará pela força das circumstancias, e as suas rendas cada vez mais decrezcerão; é, para esse conjuncto de causas, que chamamos a attenção dos seus representantes” (grafia da época).

Recorte do jornal Diário de Pernambuco, 1882.

No mês anterior à publicação do jornal acima, ocorreu uma acalorada discussão na Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro, Capital do Império do Brasil à época, entre deputados gerais das províncias da Parahyba do Norte e do Rio Grande do Norte, para a aprovação da garantia de juros ao empréstimo solicitado pelo grupo empresarial que aguardava o parecer da Comissão de Comércio, Indústria e Artes afim de iniciar a construção da ferrovia, que continuava parada.

Tomando a palavra, o deputado paraibano Manoel Carlos de Gouveia, do Partido Conservador, defendia a inclusão de uma emenda para garantir os recursos para a construção da estrada de ferro, sendo interrompido pelo deputado potiguar Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti, também do Partido Conservador, o qual alegava que a emenda não cabia no projeto apresentado e, principalmente, porque prejudicaria a sua província de origem.

Pela importância histórica, publicamos, abaixo, a sequência do longo debate entre os deputados Manoel Carlos e Bezerra Cavalcanti sobre o requerimento direcionado à Comissão de Comércio, Indústria e Artes garantindo recursos para a construção da ferrovia com o trajeto Mamanguape-Gengibre-Acary, retirado do documento “Annaes do Parlamento Brasileiro”, Sessão Legislativa de 1 de setembro de 1882:

Recortes do "Annaes do Parlamento Brasileiro", 1882.

O debate sobre a emenda continuou na sessão do dia 4 de setembro de 1882 com o deputado potiguar Tarquínio Braúlio de Souza Amaranto (Partido Conservador/RN), o qual argumentou que “essa estrada prejudicará sensivelmente a minha provincia, desviando os productos de uma boa parte della do curso natural, que devem ter para a sua capital, afim de leva-los a provincia estranha...”.

A sessão voltou a ficar acirrada quando o mesmo deputado geral (como eram chamados os deputados federais) fez um comentário crítico à cidade de Mamanguape, sendo interrompido pelo deputado paraibano Anísio Salatiel Carneiro da Cunha (Partido Conservador/PB), e, em seguida, pelos deputados Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti (Partido Conservador/RN) e Manoel Carlos de Gouveia (Partido Conservador/PB), como podemos observar no trecho abaixo:

Recorte do "Annaes do Parlamento Brasileiro", 1882.

Encerradas as discussões, a emenda apresentada pelo deputado paraibano Manoel Carlos foi derrotada pelo plenário da Câmara, através do requerimento do deputado potiguar Bezerra Cavalcanti, o qual pedia a retirada da emenda. Com isso, o pedido de garantia de juros para a construção da estrada de ferro entre Mamanguape e Acary voltou para a Comissão de Comércio, Indústria e Artes, sendo reprovado na referida comissão, conforme noticiado pelo Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, em 3 de setembro de 1884, citado anteriormente.

Apesar da autorização para a construção da estrada de ferro, o grupo de empresários de Pernambuco não executou a obra, pois ficou prejudicado pela reprovação do pedido de "garantia de juros", e um trajeto ferroviário semelhante foi inaugurado duas décadas depois pela empresa inglesa Great Western, denominado Estrada de Ferro Conde d‟Eu, porém, deixando de fora a povoação de Gengibre como também a cidade de Mamanguape, esta, a segunda cidade mais populosa da província à época, e uma das mais afetadas economicamente com o novo traçado da ferrovia, como afirma Aranha (2001):

Na Paraíba, por exemplo, são notórios os casos das cidades de Mamanguape e Areia, localizadas respectivamente no litoral e no brejo. Consideradas as duas maiores cidades do interior, a primeira até a década de 1880, a segunda até o começo do século XX, chegando ao ponto de rivalizarem com a própria capital, ambas perdem seu antigo “fulgor comercial” por não suportarem a concorrência da estrada de ferro. A chegada de trilhos na vila de Independência (hoje Guarabira) em 1884 e em Alagoa Grande em 1901, é considerada fatal para as duas localidades, gerando sua imediata decadência. O caso de Mamanguape é digno de nota. Até 1884, ela é uma cidade de intenso movimento comercial, servindo de intermediária entre o brejo paraibano e as capitais de Paraíba e Pernambuco, com destaque para essa última, tendo como ponto forte a navegação de cabotagem, realizada através de porto de Salema, com saída por rio navegável para o mar (ARANHA, 2001, p. 204).

Mapa da The Conde D'Eu Railway Company em 1885. Fonte: Blog História Ferroviária Paraibana. 

O fator político foi determinante, portanto, na configuração dos trajetos, desde as reprovações e aprovações dos projetos à inclusão ou exclusão de cidades e povoados no traçado das ferrovias, como os casos de Belém (antiga Povoação de Gengibre) e Mamanguape, evidenciando a permanente disputa das elites político-econômicas regionais e locais, as quais se articulavam entre si para garantirem seus privilégios junto às autoridades do Império, numa sucessiva prática patrimonialista característica do processo histórico político brasileiro. Junte-se a isso a força do capital externo, especialmente o inglês, com seus desdobramentos nas relações de poder com os governos através das obras de infraestrutura.

Mapa com o primeiro trajeto da ferrovia entre a cidade da Parahyba (atual João Pessoa) e Gengibre (Belém), publicado na Tese da Dra. Maria Simone Morais Soares, intitulada "Território e cidade nos trilhos da Estrada de Ferro Conde D’Eu - Província da Parahyba do Norte (1871-1901)", apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia.

Acerca da Povoação de Belém, ainda haveria uma terceira tentativa, no final do século 19, já no período republicano, para a sua inclusão no trecho do trajeto do ramal entre Guarabira e Nova Cruz. Sobre essa terceira, e última tentativa, escreveremos em outra postagem.

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