Citação de Belém (Paraíba) na autobiografia do padre alemão Cristiano Muffler
Autobiografia escrita por ocasião do recebimento do título de Cidadão Bananeirense aprovado no ano de 2014.
“Nasci no dia 23 de junho de 1935
em Idashof, leste da Alemanha. Sou filho do agricultor VICTOR MUFFLER e da professora HILTRUD MUFFLER.
Com 10 anos de idade, em 1945, no
fim da 2ª guerra mundial, tivemos que fugir do front da guerra que estava se
aproximando. Isto se deu em pleno inverno rigoroso, com vários graus abaixo de
zero. Perdemos nosso pai que foi levado pelo exército russo para os campos de
concentração da Sibéria. Anos depois recebemos a notícia do seu falecimento.
Minha mãe teve que voltar a pé
para o lugar de origem apenas com uma mochila nas costas e 4 filhos pequenos,
eu e minhas 3 irmãs mais novas. Nossa casa ficava no sítio e ninguém podia
morar lá por causa da violência. Durante meses passamos muita necessidade, fome
e frio. Depois recebemos a notícia de que essa parte da Alemanha seria anexada
à Polônia e quem não adotasse a nacionalidade polonesa tinha que sair. Saíram
todos em trens superlotados, pois era até proibido falar alemão.
Conseguimos chegar até a divisa
com a Alemanha ocidental e, numa noite bem escura, conseguimos atravessar a
fronteira que ainda não estava vigiada com choques elétricos e armas
automáticas.
Na Alemanha Ocidental consegui,
por uma graça de Deus muito especial, estudar no colégio interno dos padres
beneditinos de Metten/Danúbio. Estes
anos contribuíram para me fazer sentir um forte chamado para me consagrar como
padre e missionário ao serviço do Reino. Estudei filosofia no seminário de
Königstein, perto de Frankfurt, seminário criado para os filhos de famílias
exiladas da sua terra natal como eu. Quase todos os seminaristas tinham perdido
o pai na guerra como eu.
Estudei teologia na Universidade
de Munique e no seminário de Málaga / Espanha. Fui ordenado padre, no ano de
1962, pelo bispo dos exilados pela guerra, bispo da Diocese de Hildesheim,
diocese no Norte da Alemanha, o qual, em 1963, me liberou para o Brasil,
atendendo ao pedido de um bispo alemão, Dom Anselmo de Tubarão /Santa Catarina
que, por sinal, tinha sido anteriormente bispo de Campina Grande. Cheguei a Tubarão no mês de janeiro de 1964.
Dom Anselmo, conhecedor da
carência de padres no Nordeste, me incentivou para pedir ao meu bispo a
transferência para aquelas terras. Minha vontade era chegar logo na Paraíba, em
João Pessoa ou Campina Grande, pois Guarabira não existia ainda como diocese.
Mas fui enviado para a diocese de Floresta / PE, onde tinha um bispo alemão que
fez amizade com meu bispo durante o Concílio Vaticano II.
Em janeiro de 1968 troquei meu
fusquinha num carro chamado “rural”, mais apropriado para estradas de chão, e
fomos rumando, o catarinense Nicodemos Duarte, leigo corajoso e dedicado à
Igreja, experiente evangelizador e catequista, e eu, padre jovem e
inexperiente, via Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Paulo Afonso até a cidade
de Floresta, no alto sertão pernambucano, terra de lampião, sede de uma diocese
pequena com apenas 8 padres. Fui nomeado primeiro pároco da velha Petrolândia,
cidade pequena na beira do Rio São Francisco. Esta cidade ficou depois
totalmente submersa pelas águas da grande barragem da Itaparica.
Mas, neste tempo, a partir do ano
de 1974, eu já estava na Paraíba por convite de Dom José Maria Pires, tomando
conta da paróquia de Pirpirituba com Sertãozinho e Belém e, na medida que a
saúde do Pe. Epitácio de Serra da Raiz diminuía, foi chegando Jacaraú, Lagoa de
Dentro, Caiçara, algumas comunidades de Tacima, Lagoa de Dentro, Duas Estradas
e finalmente Serra da Raiz, uma região onde hoje tem exatamente dez municípios,
quase todos com um padre.
Mas, como diz o ditado, “Deus dá
o frio conforme o cobertor”: Chegou Dom
Marcelo Carvalheira, bispo da região episcopal de Guarabira. Com ele e com seu
lema “Evangelizar” surgiu um novo tempo nesta região, muita alegria, muito
ardor missionário. Em Guarabira chegaram os padres Pe. Celestino e Pe.
Luis. Chegou em Belém João Batista
Sales- hoje monge em Alagoas- com uma pequena equipe de missionárias, entre as
quais sua irmã, a Ir. Socorro que atua hoje no Bom Samaritano em Pirpirituba.
Moravam em Jacaraú e depois em Duas Estradas as irmãs Clarissas Franciscanas de
Belo Horizonte, trazidas por Dom José Maria Pires e Dom Marcelo.
Mas, o que mais ajudou e nos
enchia de alegria e satisfação, era a dedicação dos nossos leigos: catequistas,
animadores, dirigentes das celebrações, membros dos conselhos de pastoral e
administração das paróquias e comunidades.
Em 1984 Dom Marcelo me transferiu
para Mari, incluindo as cidades de Mulungu, Alagoinha e Cuitegi.
Quando Pe. Adelino, perseguido
pelo esquadrão da morte, teve que fugir às pressas para Roma, fiquei com as
duas paróquias de Guarabira, Santo Antônio e Catedral, incluindo Pilõezinhos.
Finalmente, em 1991, cheguei à
paróquia de Bananeiras, incluindo Dona Inês. Eu tinha um laço afetivo com
Bananeiras que talvez pouca gente conheça: Durante a missão de Frei Damião em
Solânea, em 1976, minha mãe, que por feliz coincidência estava me visitando,
foi hospedada pelo então pároco Pe. José Floren, na casa paroquial de
Bananeiras. O Pe. José era pároco das três cidades Solânea, Bananeiras e Dona
Inês e na casa paroquial de Bananeiras não morava ninguém. Minha mãe gostou
muito da casa e ficou feliz quando soube depois que eu estava sendo nomeado
para ser pároco de Bananeiras.
Posso dizer que em Bananeiras
colhi o que outros plantaram: Pe. José Floren, Pe. João da Cruz (ainda hoje tem
pés de café daquelas mudas que Pe. João da Cruz distribuiu), Pe. Silvano, Pe.
Celestino. Quero dividir esta homenagem com eles que evangelizaram o povo antes
de mim e com Dom Marcelo que me deu posse e sempre me encorajou e apoiou.
Uma grande homenagem da minha
parte merece aqueles e aquelas que foram meus colaboradores diretos:
O grande mestre de obras em todas
as construções, Sr. Dioclécio,
A equipe de evangelização que
fazia os encontros com as CEBs em todos os setores.
A pastoral da Criança que
recuperou inúmeras crianças desnutridas e apáticas.
As coordenações e equipes de
liturgia, catequese e outras pastorais, na cidade e nos sítios.
O grupo “Sal da Terra”, bom e competente ao ponto de eu ter tido a coragem de levá-lo à Alemanha duas vezes, o que foi realmente um sucesso.
O Projeto PRÓ- MULHER que, na
época – 1994 a 2000 – contemplou cerca de 300 mulheres (Coordenado por
Gilvanisa Maia). O trabalho social com as mulheres dos sítios que fez com que
as mulheres criassem muito mais autoestima e consciência da sua dignidade
Minha equipe bem eficiente e de
muita confiança da Casa Paroquial que distribuía as multimisturas, os óculos e
as roupas usadas que vinham nos containers e que, naquele tempo, serviam tanto
às pessoas mais carentes.
Os jovens voluntários da Alemanha
que iniciaram e coordenaram o trabalho com cisternas e cacimbões.
O Projeto- Associação “Diálogo
Nordestino”, coordenado por Afrânio e Ivanilson.
A Associação de Promoção de
Desenvolvimento Sustentável – APRODES, Responsável Paulo Rech, apoiado por
nossos amigos, os professores da Universidade, que deram cursos de apicultura e
criação de pequenos animais. Quem imaginaria naquele tempo que hoje chegariam
toneladas de mel de mais de 10 municípios para ser processadas e distribuídas
nas escolas e nas creches.
A Associação de Pequenos
Criadores de Cabras – Comunidades: Jaracatiá, Baixa do Mel, Santa Vitória, Boa
Vitória, Porteiras e outras;
A Associação de Tecelões e
Artesãos da Região do Taboleiro (1ª Fábrica de Redes);
Os homens que faziam parte dos
mutirões de construção das capelas e reconstrução das casas.
A banda Antares que hoje já tem
um nome respeitado no campo da boa música.
As irmãs do Carmelo que
acompanharam tudo isso com suas orações e, com seus aconselhamentos e assim
semearam a paz em nossas famílias.
E não por último: meus amigos na
Alemanha que confiaram na capacidade e honestidade de todos nós e financiaram o
início de tudo isso, entre os quais se destacam aqueles que tornaram possível a
aquisição da Rádio Integração do Brejo AM, emissora pertencente à Diocese de
Guarabira, e a reconstrução da casa das Irmãs do Carmelo.
Todos estes amigos e
colaboradores merecem nossa gratidão, ainda mais relembrando as circunstancias
daquele tempo difícil, com graves conflitos de terra que, não raras vezes, nos
renderam acusações injustas. Deus seja louvado pela boa semente que brotou e
deu fruto. Tudo foi obra de Deus, nós apenas fomos “servos inúteis, fizemos
apenas o que nos foi mandado” como diz Jesus no Evangelho.
Agradeço ao Sr. Ramom Moreira,
presidente da CÂMARA DE VEREADORES DE BANANEIRAS e aos demais vereadores que
por unanimidade aprovaram a concessão do título de cidadão bananeirense que se
configura como uma declaração oficial de que realmente posso ser considerado
como um verdadeiro conterrâneo desse querido município, título que recebo com
alegria e gratidão, inclusive por dar-me a oportunidade de me encontrar com
tantos amigos(as) e irmãos(ãs) que, durante o período de 1991 a 1996, estiveram
juntos na missão e já me adotaram como um irmão. É assim que me sinto – um
irmão mais velho de todos e todas. Por isso compartilho com os presentes, esse
momento.
Padre Cristiano Muffler”
Fonte: Filhas do Amor Divino (blog).
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