As quatro primeiras ruas de Belém (PB) nos registros oficiais de nascimentos da década de 1920
Há quase 100 anos era aberto o primeiro livro de registro de nascimentos da então Povoação de Belém, pertencente ao território do município de Caiçara, no Estado da Paraíba. O Termo de Abertura ocorreu no dia 22 de setembro de 1925, na cidade de Guarabira, sede da Comarca, pelo Juiz Lauro Coelho d’Alverga, delegando a Afonso Astrogildo de Paula o cargo de Oficial do Registro Civil, como consta no referido documento (transcrito mantendo a grafia da época):
Termo de abertura
Servirá este livro typographicamente numerado e por mim aberto, rubricado e encerrado, para o “Registro de Nascimentos” occorridos na povoação de “Belém” do Termo de Caiçara, desta comarca, a cargo do respectivo official cidadão Affonso Astrogildo de Paula, no que para constar lavrei este termo que dato e assigno.
Guarabira 22 de setembro de 1925.
Lauro Coelho d’Alverga
Juiz de Direito Interino
A partir de então, o Oficial de Registro Civil, Afonso
Astrogildo de Paula, que dá nome a uma escola municipal na cidade de Belém,
registrou centenas de nascimentos de moradores da Vila de Belém, muitos dos
quais anteriores à abertura do próprio livro de registro, pois era comum os
pais demorarem a registrar oficialmente os nascimentos dos seus filhos naquele
período, seja pela burocracia, negligência ou condições financeiras.
Outra consideração importante, para compreendermos a sociedade daquela época, diz respeito aos termos jurídicos utilizados nos registros das crianças. No ato do registro, se o pai informasse que era casado oficialmente, os filhos eram registrados como “legítimos”, se os pais vivessem “amancebados”, ou seja, o casamento não oficializado, os filhos eram registrados como “ilegítimos”, mas do próprio casal, não de relações extraconjugais, podendo mudar o termo quando os pais oficializassem a união.
Por outro lado, os filhos nascidos de relações extraconjugais eram classificados como “filhos ilegítimos espúrios” e dificilmente entravam nos registros oficiais. Situação que excluía muitas crianças e marginalizava ainda mais a figura da mulher numa sociedade do século 20 fortemente patriarcal e machista. Essas observações são necessárias para entendermos os termos utilizados nos registros de nascimentos transcritos abaixo, os quais, quando aparecem, se referem apenas aos “filhos ilegítimos naturais”, ou seja, dos pais que não tinham oficializado o matrimônio.
Destacado isso, apresentamos outras considerações históricas relacionadas à então Vila de Belém, encontradas nos registros de nascimento do século passado:
Os moradores mais antigos relatam que o então povoado de Belém foi constituído, inicialmente, por quatro ruas que se cruzavam no entorno da Igreja Nossa Senhora da Conceição, o marco zero da cidade, formando a configuração de uma cruz. Essas quatro ruas se chamavam: Rua do Comércio, Rua da Gameleira, Rua do Sossego e Rua do Rio (posteriormente denominada de Rua da Empresa).
Esses relatos coincidem com os apontamentos do livro de “Registros de Nascimento”, citado no início desta matéria, aberto na década de 1920.
O registro número 2, por exemplo, cita a Rua do Comércio (atual Rua Flávio Ribeiro), como rua da Povoação de Belém onde nasceu, no dia 21 de dezembro de 1925, um casal de gêmeos, filhos de José Casimiro Baptista e Vicência Maria da Conceição. O nascimento das duas crianças ocorreu na própria residência dos pais, algo comum naquela época:
N° 2
José Casimiro Baptista
Manoel Francisco Barboza
Alexandre Jacob de Pontes Netto
No registro no 5 é apontado o nascimento da filha de Manoel
dos Santos Netto e Francisca de Araújo Freire, no dia 4 de janeiro de 1926, na
residência localizada à Rua do Rio (atual Rua Deocleciano Guedes), em
referência ao riacho da Picada, que dá acesso à atual Vila Cordeiro. A Rua do
Rio depois foi chamada de Rua da Empresa, por causa da instalação de “empresas”
(empreendimentos) de descaroçamento de algodão e de geração de energia elétrica
a óleo na referida rua.
N° 5
Aos vinte e seis dias do mez de Janeiro do anno de mil novecentos e vinte e seis, nesta Povoação de Belém, Districto de Paz da Villa do mesmo nome, Comarca de Guarabira, Estado da Parahyba do Norte, em meu cartório compareceu o cidadão Manoel dos Santos Netto e perante as testimunhas, adiante nomeadas e assignadas, declarou: que no dia quatro do mesmo mez e anno, nesta Povoação de Belém, em seu próprio domicilio à rua do Rio da mesma povoação, nasceu uma criança do sexo feminino, a que foi dado o nome “Igenes Freire Netto”, filha deste declarante e de sua esposa Francisca de Araújo Freire, elle commerciante e natural deste município e ella de occupação doméstica e natural do município de Areia deste Estado. São avós paternos da registranda Manoel da Silva Barbalho e Maria Ricarda da Silva e maternos João Clementino Freire da Rocha e Maria Seixas de Araújo, do que para constar lavrei este termo em que commigo assignam elle declarante e as testimunhas Alexandre Jacob de Pontes Netto e Thomaz Emiliano do Nascimento, commerciantes e aqui residentes. Eu, Affonso Astrogildo de Paula, Official Interino do Registro Civil, o escrevi:
Manoel dos Santos Netto
Alexandre Jacob de Pontes Netto
Thomaz Emiliano do Nascimento
Recorte do Livro de Registro de Nascimentos da Povoação de
Belém (1925-1933). Fonte: Family Search.
O registro número 17 menciona a famosa Rua da Gameleira
(atual Rua Joaquim Rodrigues), onde os tropeiros (almocreves), desde o começo
do antigo povoado de Gengibre (atual Belém), descansavam com suas tropas de
mulas antes de partirem para outras localidades. Foi nessa rua que nasceu a
filha dos comerciantes Joaquim Bezerra de Lima e Francisca Cadó d’Albuquerque,
no dia 6 de abril de 1923:
N° 17
Aos vinte e quatro dias do mez de Março do anno de mil novecentos vinte e seis, nesta Povoação, único Districto de Paz do Termo de Caiçara, Comarca de Guarabira, Estado da Parahyba do Norte, em meu cartório, compareceu o cidadão Joaquim Bezerra de Lima e perante as testimunhas adiante nomeadas e assignadas declarou: que pelas vinte e uma horas do dia vinte e seis de Abril de mil novecentos e vinte e três, em seu próprio domicílio á rua da Gamelleira, desta povoação, nasceu uma criança do sexo feminino que recebeu o nome de Clotilde Bezerra de Lima, filha legítima delle declarante e de sua esposa Francisca Cadó d’Albuquerque, casados, commerciantes e residentes nesta Povoação. São avós paternos da registranda José Bezerra de Lima e Joanna Bezerra de Lima e maternos, Vicente Cadó d’Alburqueque e Josepha Maria de Jesus, aquelles vivos e esta fallecida. Do que para constar tendo em vista uma petição deferida pelo Juiz de Paz do Districto, na forma do Decreto Número Três mil setecentos e sessenta e quatro, de dez de Setembro de mil novecentos e dezenove, a qual fica archivada em meu cartório, faço este termo em que comigo assignam o declarante e as testimunhas Thomaz Emiliano e Alexandre Jacob, commerciantes e aqui residentes. Eu Affonso Astrogildo de Paula, Official Interino do Registro Civil, o escrevi.
Joaquim Bezerra de Lima
Thomaz Emiliano
Alexandre Jacob
Recorte do Livro de Registro de Nascimentos da Povoação de
Belém (1925-1933). Fonte: Family Search.
Já a Rua do Sossego (atual Rua Vicente Cadó) foi citada no
registro número 55, quando do nascimento do filho de José Peixoto Flores e
Maria Euflausina Flores, no dia 29 de junho de 1925. Naquela época, o nome
sossego era escrito “socego”, e a rua recebeu esse nome devido à tranquilidade
do local.
N° 55
Aos vinte e sete dias do mez de Dezembro do anno de mil novecentos e vinte e oito, nesta Povoação de Belém, Districto de Paz do mesmo nome, Termo de Caiçara, Comarca de Guarabira, Estado da Parahyba do Norte, em meu cartório compareceu José Peixôto Flores e perante as testimunhas adiante nomeadas e assignadas, declarou: que há uma hora do dia vinte e nove de Junho do anno de mil novecentos e vinte e cinco, em seu próprio domicilio, na rua do Socego desta povoação, nasceu uma criança do sexo masculino, que recebeu o nome de João Peixoto Flores, filho legítimo delle declarante e de sua esposa Maria Euflausina Flores, casados, naturaes deste Estado, elle agricultor, e ella de ocupações domesticas ambos residentes nesta povoação. Casaram-se na cidade de Bananeiras. São avós da criança pelo lado paterno: Alfredo Peixôto Flores e Maria Hermínia de Paula, e maternos: Luiz Pereira da Silva e Euflausina Maria da Conceição, todos falecidos, do que para constar, tendo em vista uma petição deferida pelo Juiz de Paz deste districto, em forma legal, a qual fica archivada neste cartório , faço este termo em que comigo assignam o declarante e as testimunhas José Casimiro Baptista e Severino de Paula, commerciantes e aqui residentes. Eu Affonso Astrogildo de Paula, Official do Registro Civil, o escrevi.
Jozé Peixouto Flores
José Casimiro Baptista
Severino de Paula
Recorte do Livro de Registro de Nascimentos da Povoação de Belém (1925-1933). Fonte: Family Search.
Das páginas até então consultadas no arquivo de Registro
Civil de Nascimentos de Belém (1925 a 1933), disponibilizado pela Family
Search, organização de pesquisa genealógica mantida pela Igreja de Jesus Cristo
dos Santos dos Últimos Dias, e fonte desta matéria, a rua mais citada nos
registros é a Rua do Comércio, provavelmente por ser a rua com mais moradores,
inclusive de maior poder aquisitivo, pois era a rua onde se concentrava a
maioria dos estabelecimentos comerciais, derivando o nome da própria rua.
Porém, até a página pesquisada, além das quatro ruas mencionadas, também encontrei citações a moradores de Rua Nova (distrito), da Lagoa do Curimataú, Grotão, Lagoa de Serra, Gambá e de Ladeira de Pedra, inclusive, sobre esta última, da existência de uma Capela. Os relatos e registros oficiais sobre a comunidade de Ladeira de Pedra ficarão para uma próxima matéria, pois merecem destaque pela dinâmica cotidiana dessa localidade, com a existência de Capela, Engenho, Escola, Armazém... uma verdadeira vila rural, que só resta poucas ruínas na atualidade, no sopé da Serra dos Baianos/Mufumbo, no município de Belém.
Leia mais: Da Gameleira aos Pagãos: as primeiras ruas de Belém e os significados históricos e sociais.
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