A Grande Seca (1877-1879): “É miserável o estado da Povoação de Belém, na Freguesia da Serra da Raiz”
Foram três anos consecutivos de estiagem severa, classificada como a Grande Seca, a qual devastou o Nordeste brasileiro, à época chamada de Norte, deixando um rastro de mortandade nunca visto, proporcionalmente, até hoje na história do Brasil, motivado por fenômeno climático ou de saúde pública, conforme matéria publicada pela Agência Senado, em 2021:
“A chamada Grande Seca se arrastou por três anos e provocou 500 mil mortes em oito províncias [estados nordestinos], tanto por sede e fome quanto por doenças. O número representa 5% da população do Império, que na época rondava os 10 milhões de habitantes. Nenhuma outra calamidade matou uma parcela tão grande da população do país. Como comparação, a atual pandemia de covid-19 tirou a vida de 0,3% da população até o momento. [...] Proporcionalmente, a Grande Seca foi 17 vezes mais mortífera que a pandemia.” (Fonte: Agência Senado).
Sobre o povoado de Belém, o Jornal do Recife continuava descrevendo o estado desolador dos habitantes relatado em uma carta enviada, dias antes, ao jornal paraibano A Opinião:
“A fome e a nudez que opprimem os pobres desta localidade commovem à todos os corações e a não ser a compaixão de algumas pessoas, até mesmo com sacrifícios, que vão soccorrendo os desvalidos, certamente uma grande parte destes já teria morrido á fome! Mesmo assim tem morrido algumas crianças, como hoje (9 de fevereiro) em que morreu uma criança de 2 annos!”
O jornal pernambucano destaca, por fim, que a pouca ajuda enviada ao povoado de Belém não chegava à localidade, distante quase 15 quilômetros da Serra da Raiz, da qual estava subordinada:
“Por aqui todos são pobres e as necessidades augmentam. Os socorros mandados para a Serra da Raiz não chegam aqui, nem sabe-se quando elles alli chegarão, pois estamos á 3 leguas de distancia e de péssimos caminhos.”
A situação calamitosa dos habitantes de Belém, não diferente de outras localidades nordestinas, foi reproduzida em vários jornais do país, como a Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro; o Monitor, da Bahia; e no Diário de Pernambuco. Todos eles destacavam a fome e a nudez dos flagelados.
A SECA PROLONGADA DE 1888-1889.
Dez anos após a Grande Seca de 1877/79, outra estiagem prolongada atingia novamente a região Nordeste, entre os anos de 1888 e 1889. E outra vez o povoado de Belém, ora referenciado como povoado de Gengibre, foi mencionado em jornal da época, O Liberal Parahybano, pelo “estado aflitivo da população”.
Entre os meses de julho e agosto de 1889, pelo menos, o referido jornal paraibano publicou várias notas sobre as ações do governo provincial da Paraíba para minimizar a situação caótica de Belém e de diversas localidades devido à estiagem prolongada. Dentre as ações estavam o envio de alimentos e de verbas para socorrer a população, conforme noticiou no dia 20 de julho de 1889:
“PRESIDENCIA DA PROVINCIA
Portarias. – O vice-presidente da provincia, attendendo a reclamação dos habitantes da villa da Serra da Raiz e da povoação de Gengibre da comarca de Guarabira sobre o estado afflictivo da população indigente daquellas localidades em consequencia da secca que assola a provincia, resolve, nos termos dos decretos n. 2884 de 1º de fevereiro de 1862 e n. 10181 de 9 de Fevereiro do corrente anno abrir, sob sua responsabilidade, á verba soccorros publicos do ministerio do Império, exercício vigente, o crédito na importancia total de um conto de réis, (1:000$000), sendo: quinhentos mil réis (5000$000) para mesma villa da Serra da Raiz e igual quantia para a povoação de Gengibre, afim de ser applicado, em trabalhos de obras publicas, á referida população.”
“ – O vice-presidente da provincia resolve, nomear uma comissão composta do coronel Luiz Francelino da Cruz Marques como presidente, do cidadão Targino Augusto de Freitas Pessôa e do delegado de policia José Barbosa de Miranda e Sá, para encarregar-se da applicação em trabalhos publicos á população indigente da povoação de Gengibre, da quantia de quinhentos mil réis (500$000) a que se refere o credito aberto nesta data para semelhante fim. Comunicou-se aos nomeados.”
Já na edição do dia 24 de julho de 1889, o jornal confirmou as nomeações das comissões tanto da Povoação de Gengibre como da Vila da Serra da Raiz, para aplicarem as verbas públicas:
“- OFFICIOS. – Ao Sr. inspector da thesouraria de fasenda,
[...]
Comunico a V.S. para os devidos fins, que por actos de hontem foram nomeadas duas commissões, uma composta do colletor Manoel Fernandes de Oliveira, como presidente, do vigário padre Sebastião Bastos de Almeida Pessoa e do cidadão Antonio José da Costa, e outra do coronel Luiz Francelino da Cruz Marques, como presidente, do cidadão Targino Augusto de Freitas Pessôa e do delegado de policia José Barbosa de Miranda e Sá, para encarregarem-se a primeira na villa da Serra da Raiz e a segunda na povoação de Gengibre, da comarca de Guarabira, da applicação em trabalhos de obras publicas a população indigente das referidas localidades, da quantia de 500$000 réis para cada uma, de que se refere o credito aberto naquella data para semelhante fim”.
No mês seguinte, em 21 de agosto de 1889, O Liberal Parahybano noticiou o envio de 50 sacos de farinha, por meio da ferrovia Conde d’Eu, e ferramentas para o povoado de Belém (Gengibre):
“- Ao Sr. administrador geral da repartição de soccorros publicos. [...] – Faça Vme. transportar na via-ferrea Conde d’Eu para a estação de Guarabira e entregar a commissão de soccorros publicos da povoação de Belém do termo da Serra da Raiz, 50 saccos com farinha.”
Outros períodos prolongados de estiagem foram registrados nas décadas seguintes - e ainda são registrados no século atual - evidenciando a periodicidade do fenômeno climático no Nordeste, e revelando que o problema não é a condição climática em si, mas a falta de políticas públicas eficazes de convivência com a seca, o desvio das verbas públicas, a concentração de terras entre outros fatores que levaram aos relatos cruéis noticiados nos jornais do século 19 até os dias atuais.
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